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sábado, 24 de outubro de 2015

As saudades que a gente sente

Sinto muitas saudades. Não foi sempre assim. Hoje, vivendo a minha vida adulta, de mãe, esposa, levando a rotina de uma casa, tenho tido flashes de diversos momentos de anos passados, todos eles muito bons.

São lugares, manhãs, entardeceres, pessoas. São sempre recordações que me remetem a boas sensações, todas elas certamente muito bem guardadas e preservadas pelo (divino) inconsciente. O inconsciente sabe que tudo aquilo que passamos no começo da vida será importante para cada um de nós, um dia. Ele sabe que aquelas pessoas e instantes nos tornarão quem seremos no futuro, ou servirão de base para construí-lo.

O fim de tarde amarelado, pincelado por nuvens, imaculado - observado ao lado da minha avó materna numa rede, naquela casa de interior onde morava com meu avô (e onde eu passava grande parte das minhas férias escolares), em paz - tem inspirado meu dia-a-dia, eu diria, uns bons 30 anos depois... Assim como tem inspirado meu cotidiano hoje o amor envolvido numa situação em que neta e avô sentam-se na soleira da porta de entrada (daquela mesma casa), e estórias de saci são contadas, de uma boca risonha, embaixo de um bigode espesso, floreada por mãos grossas de descendente de italiano.

Naqueles finais de tarde de janeiro ou quando eu ouvia aquelas estórias na soleira, nada podia, nem hipoteticamente, tirar a tranquilidade e o sossego do meu viver; aqueles foram momentos sagrados. Ainda esta semana, no carro, quase chegando na escola dos meus meninos por volta de 16:00 hrs, uma certa coloração do céu me levou lá para o interior, e dirigi meus últimos metros até o colégio com aquela plenitude na memória e no meu coração. 

Sinto também, muito, a falta do meu pai. Ele era extremamente culto e sábio, e eu deveria ter extraído dele mais do que pude aprender. Basta lembrar dos seu olhos apertados pelo sorriso e os braços esticados pedindo um abraço que eu tenho certeza que a vida vale para alguma coisa, sim. Se eu pensar na forma como ele enfrentou o fim de sua vida, aí passo a ter certeza de que há seres humanos mais, e outros menos, evoluídos. Se eu recordar aquela cena em que ele faz carrinhos de banana com mel para mim e para os meus primos naquela mesa redonda de madeira do apartamento onde eu morava quando criança, aí eu entendo bem, sem palavras, o que é o amor.

Não falo de tudo isso com nostalgia não. Essas lembranças têm me ajudado a viver mais em paz, mais tranquila, com menos ansiedade, me mostrando que, com pressa, pouco vai ficar do hoje para mais tarde. Essa minha busca atual pelo autoconhecimento está exigindo que eu extermine minha (enorme) ansiedade, e meu cérebro está respondendo, eu acho, tirando do arquivo provas de que dá para viver, de que tudo pode dar certo, sem aflição, com calma. 

Essas vivências de dias passados têm me enchido de esperança, afinal, se nada pôde, então, contaminar meus momentos marcantes de paz, posso fazer com que nada contamine minhas experiências de hoje, nem mesmo a violência da cidade, nem dirigir a 40 km/hora devido aos radares, nem o custo de vida, nem a crise do País. Se naquela época eu tinha o auxílio da ingenuidade da infância, não importa; agora eu posso usar a razão e buscar meios de excluir influências negativas do meu cotidiano. Estou trocando a ansiedade da minha vida pelo anseio de deixar para os meus filhos lembranças leves, de alegria, sossego e amor que, um dia, quando eu já não estiver mais por aqui, possam ser transforadas em esperança.

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