Páginas

terça-feira, 3 de novembro de 2015

O Encontro Marcado

"O Encontro Marcado", de Fernando Sabino, marcou demais a minha adolescência, principalmente o trecho abaixo, extraído de uma carta de Hélio Pellegrino, que serviu de prefácio ao livro:

"O homem, quando jovem, é só, apesar de suas múltiplas experiências. Ele pretende, nesse época, conformar a realidade com suas mãos pois acredita que, ganhando o mundo, conseguirá ganhar-se a si próprio. Acontece, entretanto, que nascemos para o encontro com o outro, e não o seu domínio. Encontrá-lo é perde-lo, é contemplá-lo na sua total é gratuita inutilidade. O começo da sabedoria consiste em perceber que temos é teremos as mãos vazias na medidas em que tenhamos ganho ou pretendamos ganhar o mundo. Nesse momento, a solidão nos atravessa como um dardo. É meio-dia em nossas vidas, e a face do outro nos contempla como um enigma. Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena treva, pobre e nu. Esse é o preço do encontro, do possível encontro com o outro. A construção de tal possibilidade passa a ser, desde então, o trabalho do homem que merece o seu nome."

Pellegrino foi um psicanalista e escritor brasileiro, e tinha amizade com Fernando Sabino, também escritor. Eles eram amigos, mineiros, nascidos na década de 20, e ambos quiseram tratar da questão do autoconhecimento.

Quando li o livro pela primeira vez, aos 15 anos, inclusive o texto acima, gostei muito e sabia que havia nele uma mensagem para a vida. Mas eu era incapaz de compreendê-la por inteiro -- eu ainda não tinha chegado ao meio-dia da minha vida. Hoje, aos 37 anos e relendo o livro pela terceira vez, é como se a narrativa fechasse e, anos depois, ela fizesse total sentido.

O livro narra a jornada de Eduardo Marciano, um jovem que simplesmente caminhava pela vida, sempre à procura de respostas. Ele ia vivendo e fazendo escolhas com base no que fatores externos traziam para ele, e não com base no que ele mesmo julgava importante para si.

E assim é que em determinado momento da sua juventude, seus pais entendem que está muito magro, abatido, e decidem (por ele) que deve fazer natação. Então Eduardo se torna o melhor, o campeão das piscinas. Nessa época, levado por um sentimento de superioridade, ele passa a se desinteressar pelos assuntos e pelo amigo do colégio, com quem acaba por ter uma briga física e, por isso, é levado ao monsenhor, diretor da escola. Fica clara, nessa passagem, a falta de autoconsciência do personagem que, indagado pelo diretor sobre "o que queria da vida", assustou-se (num primeiro momento, achou, inclusive, que a pergunta nem era dirigida a si).

E nessa linha segue o livro do meu admirado Fernando Sabino, até que a passagem que dá nome ao livro mostra o esforço de Eduardo na busca de algo, do sentido da vida. Ele, jovem, marca com seus melhores amigos um encontro para dali a tantos anos em determinado local. Passado o tempo, Eduardo comparece, mas os demais não; estão com vidas diferentes, com seus rumos tomados, e Eduardo começa a perceber que as respostas da vida não estariam naquele encontro, frustrado, mas sim dentro dele, onde teria que esforçar-se para buscá-las, pois não, a vida não as entrega de bandeja.

De fato, tudo o que mais procuramos entender, a paz de espírito tão desejada, o equilíbrio e a aceitação do que não podemos alterar, tudo isso está dentro da gente, não vem de fora. Mas não podemos culpar o pobre do Eduardo. Acho eu que a angústia que ele sentiu a vida toda vinha do fato de que ele não reconhecia ser só. E todos nós, cada um de nós, é um ser só. Apenas no momento em que se reconhece estar por si é que é possível buscar no outro algo para incrementar nossas vidas, para enfeitar, ajudar a crescer. Mas não tem como buscar no outro o próprio ser de cada um.

Somos mesmo pobres e nus diante da vida, do todo. Mas não podemos permanecer como um enigma para nós mesmos. Se assim ficarmos, seremos um enigma para o outro também. Não devemos negar a nós mesmos, nem à humanidade, a nossa luz, o poder transformador que cada um tem. Seria egoísmo, seria retardar o progresso dos seres humanos como um todo.

É claro que o caminho da procura é cansativo, doloroso. Requer paciência, perseverança (não desistir quando parece perdido), fé (em si mesmo). Requer inclusive certa alienação do mundo fisco, me parece (eu mesma estou na busca, no começo, mantenho a fé). Mas quem disse que o mundo físico é tudo? Para mim, ao contrário, ele não é o essencial.







Nenhum comentário:

Postar um comentário