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terça-feira, 17 de novembro de 2015

Meu peixinho vermelho, meu peixinho azul

Meu peixe beta vermelho e meu peixe beta azul na verdade não são meus, são dos meus filhos. Cada um vive num aquário diferente, pois os peixes beta coloridos são macho e não se pode pôr dois machos juntos (porque se atacam).

Pois bem, cada um dos meus meninos ganhou da minha sogra um peixe, um aquário, plantinhas artificiais para decorá-los e (suponho) entreter os peixes (será?!), e cada um escolheu uma casinha para o amigo: Felipe quis um tronco de árvore com um túnel no meio e o Lucas preferiu um barquinho fofo. Aquários lindos, enfeitaram e deram vida à minha copa.

Os meninos ganharam também um potinho com a comida dos peixes que, segundo orientação do vendedor da Cobasi, deveria ser dada de manhã e à noite, "apenas quatro bolinhas para cada um". Seguiram a orientação direitinho e têm alimentado seus pets com muita responsabilidade.

A questão é que toda vez que entro em casa (entro pela copa), vejo o peixe vermelho todo animado, mexendo as nadadeiras, explorando o aquário, tenho até a impressão que ele vem até mim quando eu me aproximo dele. Come toda a comida que é jogada na água numa tacada só, e fica olhando, parece que está pedindo mais. Já o peixe azul está sempre parado, no mesmo canto, nadadeiras imóveis, não se interessa por qualquer movimento na água, nem mesmo pela comida, que muitas vezes sobra e fica lá, boiando.

É óbvio que desde que eles (os peixes) chegaram, e eu notei essa diferença, comecei a me preocupar com o peixe azul. Fico apreensiva, pensando que posso encontrá-lo morto cada vez que estou para entrar em casa. Por que raios o peixe vermelho é tão alegrinho e o azul tão borocoxô?! O vermelho é mais bonito, tem nadadeiras coloridas, mas é mais magrinho, desconfiei da saúde dele quando chegou, e não da saúde do peixe azul, mais gorducho. Mas o azul é tristonho, e agora temo por ele.

Ao mesmo tempo em que notei essa diferença de comportamento dos peixes, notei também em mim essa tendência de voltar minha atenção aos mais fracos, aos mais carentes. Acho o peixe vermelho lindo, acho muito interessante ficar observando seu movimento dentro do aquário, cima, baixo, parece às vezes enxergar o peixe azul no outro aquário e querer transpor o vidro para enfrentá-lo, fica excitado, adora sua casinha, as nadadeiras são longas, coloridas. Eu admiro o peixe vermelho. Mas o peixe vermelho está bem resolvido na sua vida aquática. Não precisa de mim. O azul parece precisar, e é com ele que me preocupo.

Eu fico pensando, meio que sonhando, se esses peixinhos estivessem no rio, o vermelho teria toda a admiração dos demais peixes, seria hábil para fugir dos predadores, acho que ele ganharia com facilidade os embates com outros peixes beta, enquanto o azul seria esquecido, deixado de lado e, logo, comido. A vida da gente é assim. Os mais fortes vivem, os mais fracos perecem. Os mais fortes têm apoio de multidões, são admirados, são imitados. Os mais fracos são ignorados. E pensar nessa realidade parte meu coração. Por isso, hoje em dia sigo muito menos as notícias do mundo; tenho preferido a ignorância. Tenho preferido não ver que quem tem mais dinheiro manda em quem tem menos, que quem tem mais influência política decide por quem não tem, que o coleguinha mais esperto determina como o mais bonzinho deve agir, que quem está no peso ideal orienta a vida de quem não está. Que fique claro: eu também me encanto com muitas histórias de sucesso financeiro, como a do Jorge Paulo Lemann, admiro algumas pessoas do meio político (não as do atual governo!), acho legal ver como algumas crianças captam o mundo adulto tão cedo, e admiro muito as atuais musas fitness, assim como adoro observar o peixe vermelho. Mas há algo em mim que me leva a olhar com muito mais carinho e atenção para quem está esquecido no outro pólo dessas relações, como acontece com o azulzinho.

Eu procuro desviar a atenção das coisas que me lembrem dessas dualidades, notícias, histórias, pessoas que vejo nas ruas. Mas o peixe azul me escancarou a vida real: a fragilidade de alguns versus a força de outros, e está sendo chato pra mim conviver com o peixe. Me conforta lembrar que eu posso estar errada, e o peixe azul pode vir a viver mais que o vermelho, mostrando para mim mesma que uma fragilidade pode ser só aparente, que o jogo pode ser virado e que as coisas podem ser diferentes do que parecem ser. Mas vou ter que esperar o ciclo de vida deles para ver.



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